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Bétula – Um tónico Primaveril

By 2 de Março, 2024 No Comments

As bétulas, ou vidoeiros brancos, como também são conhecidas sempre me fascinaram.
Desde a cor branca dos seus troncos que se descascam com facilidade; passando pela maneira como os seus ramos, folhas e frutos (sâmaras) dançam no vento! E os amarelos arrojados das suas folhas no Outono? São árvores lindíssimas durante as quatro estações do ano e quem tem a sorte de viver perto delas poderá acompanhar estas transformações.
A bétula é uma árvore fácil de identificar e bastante comum, pelo menos aqui na nossa Serra do Caramulo, Mata da Penoita e também na Lousã. Em contexto urbano ela pode estar presente em parques , jardins de cidade e na cidade de Viseu até em arruamentos! Em Portugal as bétulas mais comuns são a Betula pendula e a Betula pubescens.

São árvores pioneiras, e quando os glaciares dos sítios mais a norte derretiam estas eram as primeiras árvores a colonar esse espaço. Cresciam de forma rápida e iam morrendo e apodrecendo deixando a terra mais fértil para as plantas sucessoras. Assim, nos países Nórdicos e de Leste, países mais frios, as bétulas são mais comuns o que levou a que ao longo dos tempos várias tradições, mitos e histórias se tenham desenvolvido em torno desta árvore.

Um pouco da sua mitologia

Na cultura Celta a Bétula é a primeira árvore do alfabeto, ela simboliza novos inícios e era usada em rituais de purificação. No Samhain, que marca o inicio do Calendário Celta, eram usados ramos de Bétula para varrer e limpar os espíritos nefastos do ano anterior e acolher assim o inicio do novo ano. Jardineiros e gentes rurais ainda hoje usam vassouros de bétula para purificarem os seus jardins e quintais. Na verdade estes vassouros de bétula estão também associados às bruxas. Estas usavam ramos de Bétula para fazerem as suas vassouras que usariam nos seus voos xamânicos em conjunto com extractos e soluções de Amanita muscária, cogumelo este que muitas vezes cresce precisamente nos bosques de bétulas.
Na mitologia nórdica, na Islândia, a bétula está ligada a Deusa Frigga. Frigga é a deusa da familia e da maternidade; uma deidade omnisciente (sabe tu porque vê tudo, como as bétulas que tem tantos olhos), que possui uma roda de fiar onde vai tecendo o destino do Homem e dos deuses, é também a Deusa que está associada ao início de cada novo ano à semelhança da bétula no calendário Celta.

Bétula um elixir primaveril

É por esta altura do ano, aquele limbo entre as últimas geadas e o despontar da primavera, que a seiva da Bétula é colhida. Nos países nórdicos, nomeadamente na Finlândia a colheita da seiva é uma tradição antiga. Esta prática requer uma conexão especial com a Natureza à nossa volta que nos permita estarmos atentos, observar e prever o momento certo para procedermos à colheita. Se o Inverno ainda estiver demorado o fluxo da seiva pode não ser abundante e demasiado espessa. Se as nossas árvores por outro lado já estiverem a brotar as primeiras folhinhas aí já pode ser tarde. Pois a seiva torna-se mais amarga e menos abundante, logo não tão desejável. A colheita terá de ser no momento certo de forma a beneficiar de todos os nutrientes e qualidades medicinais deste elixir primaveril.

Antes de vos falar da colheita da seiva propriamente dita, deixem-me falar-vos das virtudes medicinais desta árvore tão especial.

Qualidades medicinais da Bétula
Uso Interno

As folhas jovens da árvore, ou a sua seiva fresca (não fermentada), tem a reputação de ser excelente remédio para o tratamento de cálculos renais e outras inflamações do sistema urológico e renal. Na Alemanha era tradição usar estas partes frescas da bétula para remover resíduos proteicos ou depósitos minerais não só do sangue mas também dos músculos e articulações.
A infusão das folhas jovens revela-se um um diurético não irritante capaz de dissolver e eliminar cálculos renais sem inflamar os rins, daí ser uma solução segura em casos de problemas renais mais complexos. A sua acção diurética é ainda eficaz no tratamento da retenção de líquidos, nos casos de edema cardíaco ou renal, assim como da gota. Além disso, a bétula é rica em potássio o que faz dela uns dos poucos diuréticos naturais (o dente de leão também é um deles) que não lixiviam do corpo minerais essenciais.
Por ser rica em saponinas que tem uma acção diurética e semelhante à cortisona, a bétula torna-se assim um remédio eficaz na eliminação de depósitos minerais acumulados em várias partes do corpo. Ela pode ajudar a dissolver não só depósitos acumulados nos rins mas também ajudar em casos e artroses. A bétula ajuda ainda à excreção de toxinas via sudação por ser também ela uma planta diaforética. Graças as suas qualidades diaforéticas, as suas folhas podem ainda ser usada em casos de febre intermitente.
A sua seiva é rica em sais mineiras como cálcio, manganésio, potássio e zinco. No caso do zinco, este tem o poder de estimular e melhorar a função do sistema endócrino. Para além disso, por ser tão nutritiva a seiva da bétula ajuda ainda a proteger  as células do stress oxidativo, e no caso da pele ela pode travar o envelhecimento precoce. É sabido que quando falamos da saúde da nossa pele ela é grandemente afectada por aquilo que ingerimos.

Uso externo

Em primeiro lugar, a infusão das folhas da bétula é usada em casos de herpes, eczema ou para eliminar as crostas lácteas nos bebés. Similarmente às suas virtudes depurativas quando tomada internamente ela tem o mesmo efeito de eliminação de toxinas quando usada externamente. Para tal pode ser aplicada com compressas directamente na pele.
Na Europa a bétula foi ainda usada em tempos como tónico capilar para ajudar a  fortalecer o cabelo. Para melhor efeito poderá ser usada em conjunto com urtiga sob a forma de enxaguamento no final da lavagem do cabelo.
Quanto ao seu potencial cosmeceutico, a seiva da bétula quando aplicada de forma externa actua como antioxidante, desintoxicante, protetora contra danos UV, regeneradora e hidratante.

Bétula e seu potencial gastronômico

Em tempos, na Islândia já me tinha aventurado a experimentar a colher seiva de bétula. Nessa altura terá sido mais a título de curiosidade e acabei por consumir a sua seiva assim fresca para usufruir das suas virtudes enquanto tónico primaveril.
A sua seiva pode então ser consumida fresca. Não é conveniente guarda-la muito tempo no frigorifico pois vai detorando-se, poderá aguentar até um máximo até 7 dias. Se a deixarmos à temperatura ambiente ela começará a fermentar por acção de leveduras naturais.
A seiva fermentada, é um probiótico interessante. Embora a seiva possa ser fermentada de forma natural sem adição de outros ingredientes, existem várias versões disponíveis na internet. Desde receitas provenientes dos países de Leste onde são adicionadas passas de uva para ajudar ao processo de fermentação, passando por outras fontes, cujas receitas incluem farinha e açúcar de forma a transformar a seiva num vinho.

Mas eis que vos vou falar do potencial mais guloso da seiva da bétula. O xarope de bétula!
Em primeiro lugar dizer-vos que este ano foi a primeira vez que decidi aventurar-me a fazer xarope de bétula! Uma verdadeira aventura e uma grande honra e gratidão por poder fazê-lo em família.
Ao contrário dos famosos xaropes de ácer, o xarope de bétula não é tão conhecido ou falado por ser de rendimento muito baixo. Para terem uma ideia para 1lt de xarope de ácer são necessários 40 de seiva de ácer, enquanto que para obter 1 lt de xarope de bétula são necessários 100lt de seiva! É muita coisa! Mas se compensa? Absolutamente! Desde o aroma que encheu a nossa casa pelas longas horas da seiva ao lume no fogão a lenha, passando pelo sabor complexo e absolutamente único, valeu muito apena. E também lá está por toda a aventura que envolveu este processo desde a observação das árvores, à colheita da seiva propriamente dita, até vê-la a sumir-se da panela em lume brando ao longo das horas..
Mas bom, vou então descrever-vos todo o processo para quem se queira aventurar.

Da seiva ao Xarope
A colheita da Seiva

Antes de mais convém ressalvar que a extracção da seiva da bétula é algo que requer respeito e há que fazê-lo de uma forma sustentável para não causarmos dano à árvore e para que ela continue a viver largos anos!

Coisas que devemos ter em conta antes de colher:
  1. Ter permissão do dono do terreno caso não tenham bétulas na vossa propriedade. Os baldios também são uma opção, mas sempre com o devido respeito, afinal é património de todos!
  2. Escolher árvores saudáveis e com um mínimo de 20cm de diâmetro.
  3. Esterilizar todo o material que vamos usar de forma a prevenir infecções nas árvores, pois são sensíveis.
Material que vais precisar para a extracção da seiva
  • Tubinhos rijos de plásticos ou goteiras? Em inglês chamam-se “spiles”, tentei encomendar estes especializados online mas a amaz*n não envia este material para Portugal.
  • Alguns metros de tubinho mais flexível que servirá para levar a seiva da goteira à vasilha colectora.
  • Broca para madeira usei de 6mm
  • Berbequim
  • Garrafões de plástico ou vidro.
  • Martelo e cavilhas de madeira para tapar os orifícios no final da colheita.
Como se faz

No final das últimas geadas procuramos sinais de vida nas nossas bétulas. As folhinhas ainda não devem estar de fora mas os gomos foliares já devem estar gordinhos. O que indica que a seiva corre com maior fluidez e em maior quantidade para ir alimentar todas aquelas folhinhas prestes a rebentar!
Nessa altura preparamos então todo o material e aqui vamos nós.
Esterilizada a broca e os tubinhos que servirão de gotejadores, fazemos um furinho de cerca de de 3 cm com inclinação para cima. Se a árvore estiver pronta a seiva começará a gotejar. Se não sair nada, tapamos a ferida com uma cavilha de madeira ou um pauzinho afiado justo.
Caso a seiva esteja a brotar yuppi! Colocamos um tubinho gotejador e o respectivo tubinho flexível que irá ao garrafão colector.
Cobrimos com papel de alumínio para não entrar lixo e certificamo-nos que o garrafão colector está seguro e não corre o risco de entornar.
Dependendo do porte da árvore ao final de 3-4 dias o vosso garrafão de 5lt poderá ficar cheio.
Nessa altura retiramos cuidadosamente os tubinho da árvore, tapamos o orifício com uma cavilha de madeira ou um pauzinho que afiamos para esse proposito. É importante certificarmo-nos que já não verte! Agradecemos à árvore a sua partilha e já está. Já poderão usufruir deste elixir medicinal maravilhoso! Poderão guardar até cerca de uma semana no frigorifico e ir bebendo como tónico primaveril.

Se na tua zona tens acesso a muitas árvores experimenta fazer xarope!
Xarope de Bétula melhor que o de Ácer!

Ter em conta que, como referi anteriormente, o rendimento do xarope de bétula é muito inferior ao conhecido xarope de ácer. Para 1lt de xarope de Bétula são necessários 100lt de seiva!!

Faz-se assim:

Numa panela gigante levamos toda a seiva a lume brando. Deixamos ao lume várias horas de forma a que a água vá evaporando. Com o passar das horas notamos que tanto o aroma como o aspecto vão mudando. A seiva clarinha com um ligeiro tom amarelo-azualdo? (Verde? Nem sei bem!) começa a transformar-se a revelar tons cobre/ acastanhados. Até que fica mesmo acastanhada! A sua viscosidade também vai mudando claro, e com o passar das horas parece que já quase nada resta na panela. Podem ir provando também para ter ideia da transformação que a seiva vai sofrendo até se reduzir a xarope puro com um sabor muito especial!

Nota batoteira:

Longe de ter conseguido extrair os 100lt de seiva para conseguir obter 1 lt de xarope puro de bétula! O que fiz então? Vá eu confesso!
Comecei com 20lt de seiva e ao final de tanta hora ao lume reduzido a uns míseros 2 lt, lá dei o braço a torcer e fiz batota! Todo aquele aroma e complexidade de sabor estava lá, mas… Faltava-lhe a doçura.
Vai daí em 2lt de seiva reduzida juntei 50% de açúcar. Levei novamente ao lume numa panelinha muito mais pequena, e deixei ferver até a consistência ficar xaroposa. Mas claro com açúcar adicionado! No fim pasteurizei e coloquei em garrafas esterilizadas! Ficámos assim com uma guloseima com açúcar mas com todo o sabor e aroma do sangue da bétula.

Espero com isto os ter inspirado e mostrado o quão versátil podem ser certas plantas da nossa flora! Não só as pequeninas no chão mas também as árvores esbeltas que se erguem aos céus!

 

Fontes online:

https://www.wilder.pt/diversoes/o-que-procurar-na-primavera-a-betula/

https://treesforlife.org.uk/into-the-forest/trees-plants-animals/trees/birch/birch-mythology-and-folklore/

https://goddessgift.com/goddesses/frigga/

https://www.researchgate.net/publication/234004639_Uses_of_tree_saps_in_northern_and_eastern_parts_of_Europe

https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2405844024027464#sec4